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24 abr

“Dormir bem, comer melhor e mexer o corpo”. Será?

Mexa-se.

Vemos essa afirmação por todos os lados. E cada vez que leio isso, me pergunto: faz sentido uma recomendação tão generalizada?

O que você pensaria caso se deparasse com uma matéria, numa revista bastante prestigiada, com o seguinte título: “Durma bem, faça atividade física com moderação e coma qualquer coisa”.

Parece estranho? Esse foi o impacto que o título a seguir causou em mim: “Dormir bem, comer melhor e mexer o corpo”. Essa frase estava na capa da Scientific American, uma renomada revista de psicologia e neurociência.

Aposto que, ao ler a frase anterior, você deve ter achado que ela pode fazer sentido, não é? Veja mais um exemplo: “Penso que o corpo tem seu próprio tripé de sustentação – alimentação balanceada, prática de exercícios e descanso adequado.” (Robert Wong). Você reparou que, em todas as constatações apresentadas nessas frases, o movimento (ou exercício) não está associado a nenhuma qualidade específica?

Quando falamos do sono, sabemos que existem conceitos associados a ele e certos estudos que defendem um ideal de quantidade e qualidade. Dormir pouco faz mal, da mesma forma que dormir muito também faz mal. O mesmo ocorre com relação à alimentação. Quando pensamos em um ideal, ela sempre está associada a dois adjetivos: moderação e qualidade. É o que nos dizem os nutricionistas, não é?

A atividade física, por mais incrível que pareça, acabou se tornando o primo pobre dessa equação.

Quando propomos um modelo de treinamento natural e integral, não é apenas uma feliz coincidência perceber que essas qualidades também estejam profundamente associadas a uma boa alimentação.

Pois bem, posso ser categórico em afirmar que sono, alimentação e movimento – o tripé essencial que sustenta nossa saúde – seguem um mesmo princípio.  Como tudo o que é vivo, esse princípio é baseado na própria natureza: uma busca constante pelo equilíbrio e pela homeostase. O equilíbrio está no meio, não está nos extremos. Sem dúvida, quando falamos em saúde no treinamento, a recomendação, assim como na alimentação, deveria ser a seguinte: faça atividade física com moderação e qualidade.

No entanto, infelizmente, essa recomendação não está na moda. Lendo autores consagrados, como Tony Schwartz e muitos outros, vejo que eles aderiram ao conceito da atividade física vigorosa de alta intensidade, como um modelo ideal de treinamento. Fiquei assustado ao ver essa mesma recomendação ser seguida por alguns sites alternativos e conscientes. Não me perguntem onde eles colocaram a consciência, nesse caso. Muitos alunos me relatam ter recebido a recomendação de fazer atividade física de alta intensidade do seu próprio médico.

Complementando, fiz uma ampla pesquisa e pude constatar que os treinadores mais famosos e badalados também estão defendendo esse modelo. Até faz algum sentido, já que, hoje em dia, quanto mais “mainstream” e representante do sistema vigente, mais visibilidade o profissional acaba adquirindo. Eles embarcam nessas novas tendências e aproveitam para surfar essa onda.

Será o “vício da novidade” que faz todo mundo aderir a essas modas? A impressão que fica é a de que, de repente, surge uma pesquisa e todo mundo adere à nova tendência, sem grandes reflexões e aprofundamentos. Talvez ninguém queira parecer antiquado ou ultrapassado.

Quero tranquilizar os profissionais que ficam ansiosos em parecerem atualizados: o que essencialmente define uma atividade física saudável não se alterou nos últimos cinco mil anos, nem, provavelmente, irá se alterar nos próximos séculos. A menos que haja alguma alteração significativa em nossa composição física e orgânica.

A pergunta que ninguém se faz ao recomendar o modelo de treinamento de alta intensidade é: ele é ideal a quem?

Com certeza, ele não é o ideal para a maioria da população, somando os sedentários, obesos, alunos com sobrepeso e todos os outros alunos sem adaptação a esse modelo radical, como já demostrei. Tal conceito é tão idealizado que não faz sentido quando aplicado a uma realidade mais concreta. Ele só faz sentido como uma hipótese ideal, só faz sentido na “prancheta dos pesquisadores”, na pratica, ele torna-se um modelo expulsivo e ineficiente.

Contra todas as formas idealizadas e midiáticas de treinamento, devemos adotar o seguinte paradigma: não são todos os tipos físicos que deveriam se adaptar ao modelo de treinamento, mas, sim, o modelo de treinamento que deveria se adaptar a cada tipo físico.

Bingo.

Esse novo paradigma só é possível por meio de um modelo de treinamento com moderação. Todas as formas idealizadas de treinamento esbarram no simples fato de que o nosso corpo é constituído de cartilagens e articulações. Aliás, os extremos são equivalentes. A cartilagem é uma prova contundente deste fato: não fazer nada ou treinar em excesso pode igualmente destruí-la.

 

“A CORRIDA É COMO O VINHO: SE VOCÊ CONSUMIR

EM EXCESSO, ELA SE TORNA PREJUDICIAL.”

(Paulo Vitiritti)

Hoje, sabemos que provas extremas, como uma maratona, podem trazer danos irreversíveis ao coração. “Provas extenuantes provocam uma depressão do sistema imunológico. Os maratonistas ficam vulneráveis a várias infecções após a prova. Uma delas, a mais grave, inflama o músculo cardíaco e pode provocar fibroses”, afirma o Dr. Nabil Ghorayeb, um dos maiores especialistas em cardiologia ligada ao esporte.

Pesquisas recentes demonstram que não fazer nada ou treinar de forma exagerada pode ser igualmente prejudicial ao nosso coração e à nossa saúde, de forma geral. É a ciência chegando ao óbvio ululante (aquilo que está gritando, mas a maioria não consegue enxergar): os extremos são nocivos à saúde. Ou seja, as pessoas só estão vendo o lado positivo do treinamento de alta intensidade e do desafio extremo.

Por um lado, enfrentar desafios é realmente uma prova de superação que pode trazer ganhos mentais e emocionais, mas, por outro, representa ignorar os princípios mais básicos da saúde e do corpo. Muitas marcas esportivas investem em slogans que estimulam os consumidores a maltratarem e consumirem o seu corpo, realizando treinamentos ou desafios extremos, que podem ter como resultado, a médio e longo prazo, a destruição do seu aparelho locomotor. Caso isso definitivamente ocorra, você sofrerá com dores crônicas para o resto da sua vida. Vale realmente a pena apoiar e sustentar esse modelo de treinamento?

Quase não se fala sobre isso, mas, treinar com um foco excessivo na performance abrevia a vida. Esse modelo de treinamento com sofrimento, o “sem dor, sem ganho” provoca um aumento dos radicais livres, envelhecimento precoce, arritmias cardíacas, desgaste do miocárdio, lesões ortopédicas e um efeito depressor sobre o sistema imunológico que irá impactar e desgastar o seu corpo de uma forma brutal. A saúde corporal está relacionada ao processo metabólico, a um equilíbrio entre o desgaste e o reparo. “Quem poupa tem”, este vai ser um slogan muito popular no treinamento em algumas décadas.

O marketing já usou a frase “supere seus limites” à exaustão. Ninguém aguenta mais ser obrigado a superar seus limites, constantemente. Precisamos fazer o caminho de volta. Voltar à sanidade.

Precisamos resgatar o óbvio: para a grande maioria da população, o salto mais essencial é desenvolver uma relação de prazer com a atividade física.

Como isso seria possível com o sofrimento e desconforto imenso vividos no treinamento de alta intensidade e no modelo do “sem dor, sem ganho”?

Para manter o peso e a saúde, o mais importante é desenvolver uma rotina física e alimentar que você possa manter, confortavelmente, pelo resto da vida.

Espero que, no futuro, quando o seu médico indicar uma atividade física, ele possa indicar precisamente o que seria uma atividade física de qualidade.

Hoje, esse conceito ainda não é uma unanimidade. Para os maiores especialistas do conhecimento corporal, ele é bem claro: não é qualquer forma de exercício ou treinamento que colabora para a sua saúde e integridade corporal. Existe uma qualidade primordial do treinamento: a moderação.