CHAVE 2

Sentar é o novo tabagismo?

Texto escrito por meu amigo e colaborador, o fisioterapeuta e bioantropólogo Marcelo Sanches.

Já faz alguns anos, está na moda apontar a cadeira (mais especificamente o ato de sentar, seja em cadeira, sofá etc.) como um vilão, causador de desordens ortopédicas das mais diversas, e até mesmo causador de desordens viscerais.

Alguns mais alarmistas colocam a cadeira no mesmo patamar do cigarro, comparando os malefícios de ambos. O slogan diz: “Sentar é o novo fumar”.

Você, provavelmente, já ouviu alguém falar sobre isso, mas sabe o porquê de tanto alarde?

Para explicar com mais detalhes, preciso levá-los para uma viagem ao passado, para que possamos observar nossos parentes distantes, sua rotina, suas exigências e seu estilo de vida. Até antes da revolução da agricultura, há aproximadamente oito mil anos, nossos parentes precisavam se deslocar para conseguir alimento. Viviam em uma região sem grande abundância de recursos, por isso, faziam esses longos deslocamentos.

Nessa época, andar e correr eram parte diária da rotina desses ancestrais. Qualquer momento de descanso era valiosíssimo e precisava ser valorizado para que se economizasse energia. Portanto, foram fatores de seleção natural na nossa espécie, a capacidade de se deslocar por longos períodos, mas também esse gosto pelo descanso.

Quando o homem percebeu que poderia cultivar o próprio alimento, a área pela qual ele precisava se deslocar diminuiu drasticamente. O alimento estava ali, não era preciso mais correr atrás dele. Isso possibilitou com que nossos parentes pudessem estacionar no mesmo lugar. Criar moradia. Não havia mais a necessidade de ser nômade.

Pulando um pouco para a frente na história, foram os egípcios que inventaram a cadeira. Era um artigo de luxo e disponível para poucos. Tinha a função de trono, denotava poder. E assim foi por muitos anos, até a revolução industrial, no século 18, possibilitar a fabricação em larga escala.

Portanto, num cenário otimista, temos a cadeira como parte integrante da realidade da sociedade há menos de 300 anos. Esse tempo é suficiente para a adaptação e evolução biomecânica do nosso corpo, para que possamos ficar sentados sem problemas? Infelizmente não é.

Não seria nem se esse período de tempo fosse bem maior. Na biologia, a escala de evolução se conta em milhares ou até milhões de anos. Portanto, a realidade é cruel. Não estamos aptos, biomecanicamente, para sentar. Mas espere, a história piora um pouco depois. Lembra-se do ímpeto pelo descanso, que citei acima? Ele é bem evidente, não é? Todos nós adoramos uma cama quentinha e um sofá macio.

O descanso fez parte da nossa evolução. Agora, pergunto: será que não estamos exagerando na dose? Vamos analisar a rotina de um urbanoide comum. Ele fica sentado praticamente o dia inteiro. Veja bem, até para fazer as necessidades esse indivíduo se senta. Quantas horas ele permanece na mesma posição durante o dia? Quantos dias ele passa dessa maneira? Na minha visão, há uma distância muito grande entre o que nosso corpo foi feito para fazer, e o que fazemos com ele.

O dilema é: posso pedir para o meu cliente não se sentar mais? Que adote uma vida natural, nômade, vivendo dos recursos da terra, caçando e colhendo o que come? Claro que não!

Então, como resolver essa dicotomia? Proponho um equilíbrio. O caminho do meio.

Deixemos que se sentem, mas com consciência. Sem abusos. Será que dá para trocar o carro por uma caminhada? Subir pela escada em vez do elevador? Levar seu filho ao parque em vez do cinema? Caminhar com seu cachorro? E, quem sabe, se o tempo e a rotina permitirem, que tal criar o hábito de fazer exercícios ao ar livre? Algo descontraído, sem exigências físicas exageradas, sem apelo pela estética ou pela performance desportiva, apenas visando a saúde. Algo que seja criativo e lúdico.

Quem sabe, não podemos fazer a balança pesar menos para o lado da inatividade. E, assim, podemos nos sentar sem tanto peso na consciência, pois nosso corpo estará mais resistente para aturar essa exigência do sentar por um longo período.

No fundo, não vejo a cadeira como esse monstro de sete cabeças que pintam por aí. Perigoso mesmo é o excesso que ela proporciona. Sentar por 30 minutos seguidos é bem diferente de sentar por quatro a oito horas. Sentar numa cadeira ultraconfortável nos permite ficar na mesma posição por longos períodos. Faça o teste. Tente ficar na mesma posição, sentado no chão, por mais de 30 minutos. Difícil, não é?

O conforto excessivo está nos matando, e não a cadeira.