O estudo do corpo produz uma pérola. Existe uma casa com seu nome?
“Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso, fica de fora, só vendo a fachada. Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga todas as instâncias do seu ser, suas mais recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo. (…)
Sem perceber, desde os primeiros meses de vida, você reagiu a pressões familiares, sociais, morais. ‘Ande desta forma’. ‘Não faça isso’. ‘Fique quieto’. ‘Não pule, não corra’. Atrapalhado, você se dobrou como pôde. Para se conformar, você se deformou. Seu corpo de verdade – harmonioso, dinâmico e feliz por natureza – foi sendo substituído por um corpo estranho, que você aceita com dificuldade, que, no fundo, você rejeita. É a vida, diz você; não há outra saída.
Respondo-lhe que você pode fazer algo para mudar e que só você pode fazer isso. Nunca é tarde demais para assumir o próprio corpo, para descobrir possibilidades até então inéditas e desconhecidas. (…)
Quando renunciamos à autonomia, abdicamos da nossa soberania individual. Passamos a pertencer aos poderes, aos especialistas que nos recuperam. Se reivindicamos tanto a liberdade é porque nos sentimos escravos; e os mais lúcidos se reconhecem escravos-cúmplices. Mas, como poderia ser de outro jeito, se não chegamos a ser donos nem de nossa primeira casa, da casa que é o corpo? (…)
Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso, tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro, pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade.”
(Fonte: “O corpo tem suas razões” de Thérèse Bertherat. Editora Martins Fontes, 2010.)