É possível fabricar uma pesquisa e enganar jornalistas do mundo todo?
O conhecimento está por aí, espalhado. Basta juntar as peças do quebra-cabeça!
Para provar que um conhecimento mais integral está ao alcance de todos, o próximo item é feito através de uma colagem de diversos textos de fontes diferentes que pesquisei na internet. A brincadeira é encontrar onde estão as emendas dessa colagem. Vou propor, então, uma brincadeira: imprima o texto dessa chave e marque com um lápis onde você acha que estão essas emendas. Depois, veja o gabarito no final do livro.
AS PESQUISAS
Existe um fenômeno relativamente novo influenciando a maneira como o grande público age e pensa. A partir do século 20, a mídia descobriu que divulgar o resultado de pesquisas trazia visibilidade e tinha um grande apelo junto à população em geral. Essa forma leviana e ingênua de divulgar conceitos e verdades, pode ser perigosa. Originalmente, as pesquisas eram usadas e interpretadas apenas por especialistas, que as analisavam e traduziam.
No entanto, atualmente, quando uma pesquisa chega às mãos de um jornalista, normalmente, são selecionados os aspectos mais apelativos e rasos do estudo, resultando em conclusões bastante equivocadas e imprecisas, aos olhos de um especialista. E, mais imprecisas ainda, aos olhos de um generalista (profissional de visão integral).
Jornalistas são fáceis de enganar, afirma com conhecimento de causa o americano John Bohannon, doutor em biologia molecular e ele próprio um jornalista. Bohannon, 41, ficou um pouco mais famoso recentemente por falsificar um estudo dizendo que chocolate poderia ajudar no emagrecimento, inventando até mesmo um instituto de pesquisa.
O resultado foi parar na capa do Bild, o principal jornal popular da Alemanha, junto do acidente com o avião da Germanwings, e apareceu em veículos de mais de 20 países. […]
O segredo para fazer a mutreta é uma artimanha estatística que muitos pesquisadores
praticam (mesmo sem querer).
Quando um estudo é planejado, são decididas as variáveis que serão medidas e, com um teste estatístico (modo matemático de analisar se uma causa pode realmente ser associada a um efeito), é medida a chance de aquelas variáveis terem sido modificadas por conta de um tratamento – uma dieta, por exemplo.
É uma loteria de azar. Quanto mais bilhetes (variáveis), mais chances de que a mudança em alguma delas seja erroneamente associada a uma intervenção (ou dieta, no nosso exemplo).
Ele apostou e tudo deu certo. O próximo passo foi achar uma revista para publicar o artigo. Sem problemas: ele mesmo havia confeccionado uma lista de editoras e revistas supostamente científicas, mas em que basta pagar para se ter estudos publicados.
É instrutivo considerar uma pesquisa ideal como algo efetivamente impossível. Um estudo ideal de um medicamento faria duas cópias idênticas de você, sendo que ambas passariam exatamente pelas mesmas coisas o tempo todo, com uma exceção: só uma cópia de você receberia o medicamento. Comparar o que aconteceria com suas duas cópias revelaria as consequências causais do medicamento para você, especificamente. Claramente, existem algumas complicações no mundo real. Só existe um de você e não dois. Além disso, você não participou da maioria dos estudos em questão, se é que já participou de algum. As pessoas que os pesquisadores examinaram nunca são exatamente como você. Então, como podemos tirar algum valor dessa imperfeição? […] Em última análise, nenhum estudo é perfeito. Quer se trate de um teste aleatório ou de um não experimental, nunca se pode ter certeza absoluta de que os resultados do estudo são válidos e aplicáveis a você.
Em relação às pesquisas alimentares, o controle que os pesquisadores têm sobre a alimentação de voluntários está longe de ser total, e muitas vezes eles dependem de relatos das pessoas sobre o que elas comem, informações que não são completamente precisas. Outros fatores não alimentares ainda influem nos resultados, como atividades físicas, diferenças metabólicas ou até questões emocionais. […] Além disso, o público não especializado tem dificuldade para entender que conclusões científicas abstratas sobre os benefícios de determinado alimento não necessariamente se aplicam a casos específicos individuais. […]
Além disso, pesquisas confiáveis exigem acompanhar grupos grandes de pessoas ao longo de períodos razoáveis de tempo.
Por fim, é bom ter em mente que há gente ganhando dinheiro com modismos alimentares, diz Lara Natacci. “O marketing da indústria do emagrecimento é mais rápido do que o estudo científico.” Sophie Deram, nutricionista da USP, conta que já assistiu a uma palestra sobre mitos e verdades do adoçante financiada por uma indústria do setor. “Havia centenas de nutricionistas lá. É como publicidade. Você tem que entender que há interesses.”
Obviamente, a pesquisa é uma ferramenta essencial ao avanço do conhecimento. Existem pesquisas bastante sérias e conclusivas. Infelizmente, para termos uma devida interpretação destes dados dependemos da analise correta de um especialista. Outro fator complicante, é que esta análise também varia bastante de um especialista para outro. Isso é natural, cada profissional desenvolve sua linha de atuação e visão especifica. Não faz sentido jogar um monte de informações desconexas e contraditórias a um leigo, como quer o marketing descuidado e afoito das mídias.
Coloco a seguir um trecho de uma matéria feito pelo pesquisador Olavo Amaral, que expõe como funciona o lobby da indústria dos medicamentos, que igualmente lançam mão das pesquisas como forma de garantir a venda de certos produtos.
Nestes congressos médicos os estandes estão cheios de “material educativo”. Os mais óbvios são anúncios com slogan do produto, informações publicitárias e a bula. O que mais me chama a atenção, porém é a presença de artigos científicos – traduzidos na integra – sem menção explicita ao patrocinador. Para encontrá-lo, é preciso ler até o fim e procurar entre as letras miúdas da seção de conflitos de interesse. Apanho a esmo um dos artigos neste estande: dos sete autores, cinco são funcionários do laboratório. Os dois outros são psiquiatras acadêmicos, um dos quais recebe fundo de pesquisa de cinco laboratórios e é consultor de três. O segundo recebe subsidio de 44 laboratórios diferentes, atua como consultor em 23, como palestrante em 22 e possui ação de quatro.
Embora tal situação possa assustar um leigo, ela é corriqueira na pesquisa clínica. Por causa disso, artigos científicos nos estandes me incomodam mais que anúncios publicitários: eles são a demonstração pratica de quão tênue é a linha entre ciência e marketing. Os artigos apresentam pesquisas financiadas pela indústria, desenvolvidas por funcionários e acionistas da indústria, publicadas em revistas que lucram vendendo exemplares para esta indústria – que os oferece ao lado de lanches e brindes em congressos pagos pela indústria, para médicos que viajaram a convite da indústria. E é difícil, até para o mais ingênuo e idealista dos seres, acreditar que uma atividade educacional como esta possa ser isenta.