CHAVE 20

Corpo artificial

O incentivo de um modelo de corpo cada vez mais inatingível, cada vez mais rigoroso, cria um “vale tudo corporal”, que incentiva a proliferação de artifícios e técnicas radicais e agressivas à saúde.

Esse “vale tudo” se estende também às mulheres, que ficam à mercê de técnicas extremas e agressivas de fortalecimento muscular, e toda a sorte de dietas radicais, intervenções estéticas, suplementações milagrosas ou intervenções cirúrgicas de alto risco.

Esse modelo de beleza é responsável por graves problemas de saúde pública, como doenças ligadas ao uso de anabolizantes, anorexia, vigorexia, depressão, crises de pânico e ansiedade, mortes e acidentes cirúrgicos ligados à estética, perda do aparelho locomotor, lesões na coluna, osteoporose, doenças renais, desnutrição, doenças autoimunes, obesidade e uma lista infindável de danos que custam milhões aos cofres públicos, anualmente.

Apenas 3% da população frequenta academias. A partir desse número, e pensando que o street workout está cada vez mais popular, qual porcentagem da população você acha que tem um corpo perfeito, igual ao da capa da revista de fitness?

Eu diria que esse número é algo em torno de 6% da população, caso sejamos muito otimistas. Agora, eu lhe pergunto: você acha justo que o modelo de treinamento e o modelo de beleza estejam formatados para se adequar a essa pequena elite?

Existe uma grande confusão no universo do fitness em relação a essas formas de treinamento radicais e intensas. Devido ao fato desse modelo trazer benefícios aparentes e estéticos a um tipo físico que está em um estágio muito avançado de treinamento, aparentemente, tende-se a acreditar que ele se transforma em uma fórmula ideal e milagrosa de proporcionar o mesmo benefício a todos os tipos físicos. Isso está longe de ser verdade.

Essas técnicas só trazem benefícios (que, no longo prazo, são relativos e discutíveis) a uma elite do treinamento, sendo totalmente desaconselháveis ao resto da população.

Este é o marketing apelativo em que esta indústria se apoia, colocando corpos imensos e sarados como um modelo a ser seguido e desejado, e dizendo que um resultado igual ao que foi atingido por esse modelo está ao alcance de todos. Não está! Principalmente em uma proposta de curto prazo, como ela está estruturada.

No longo prazo, é sim possível levar o seu corpo a limites extremos, mas seguir esse modelo radical de curto prazo se torna um risco enorme à sua saúde.

Será que esse modelo de beleza não é apenas uma isca jogada pelo marketing de consumo, um modelo inatingível para a imensa maioria das pessoas?  Você acha que isso ajuda ou prejudica a adesão da população ao treinamento?

Se pudéssemos comparar o modelo de beleza nos últimos 40 anos, veríamos que esse modelo se tornou cada vez mais musculoso, volumoso e exigente. O sarrafo não para de subir. O personagem Batman é um ótimo exemplo: veja fotos dele do seriado na TV da década de 1970, e depois coloque no Google imagens do herói nos dias atuais. Observe como ele vai se transformando ao longo dos anos. É impressionante!

Assistindo ao meu sobrinho brincar com um jogo no computador, levei um susto ao ver o tamanho descomunal dos heróis atuais. Como as crianças vão internalizando esses modelos, no futuro teremos crianças insatisfeitas com a própria aparência de forma cada vez mais precoce. Afinal, onde vamos parar?