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25 ago

Saúde plena significa ter um corpo novo a cada segundo

 

“Nada voltará a ocorrer exatamente da mesma maneira. Tudo acontece apenas uma vez na história do universo.”
~ Stephen Nachmanovitch

 

Ao contrário do que a maioria das pessoas imaginam, saúde não é seguir regras rígidas ditadas pela mídia ou por algum especialista. Vou introduzir aqui alguns conceitos, e, para isso, vou tentar ser o mais didático possível.

Certa vez, conversando na academia de ginástica com um bodybuilder (vulgo marombeiro), um rapaz obsessivo por musculação, que treinava por duas a três horas, de domingo a domingo, ele me contou algo assustador. Ele disse que as suas refeições eram exatamente iguais há mais de 5 anos, se resumindo a uma porção generosa de frango grelhado com batata doce, e só. Nos intervalos, ele comia mais de 40 claras de ovos e uma quantidade enorme de suplementos voltados para esse público, como whey protein e creatina.

Segundo os critérios que havia aprendido em seu meio de convívio, essa era a estratégia perfeita para obter a saúde perfeita e chegar aos resultados estéticos tão almejados. Como ele já repetia o mesmo prato, há alguns anos, começou a ter dificuldade em engolir esses alimentos que se repetiam incessantemente, lhe causando náuseas e uma tremenda aversão.

Sem problema! A solução foi começar a engolir tais alimentos com água, sem mastigá-los, forçando a barra para eles serem aceitos pelo seu corpo que, desesperado, começava a deixar claro que não aguentava mais consumir tais substâncias sem variação. Veja bem, em nenhum momento ele parou para pensar que o seu organismo estava lhe mandando um claro aviso e a sua mente poderia estar enganada, seguindo normas que não faziam sentido e não eram saudáveis ao seu corpo.

Fiquei imaginando o diálogo interno vivido por pessoas com esse tipo de restrição alimentar radical. O corpo olha para um pão integral com manteiga ou uma banana e ativa fortemente o desejo de comê-los, mas, no entanto, o cérebro olha para a sua lista teórica dos alimentos permitidos e nega essa vontade tão premente, impondo a sua vontade.

Isso também ocorre com o treinamento físico, muitas vezes o corpo não está disposto a correr 20 km, por exemplo, em uma certa situação específica, e implora por descanso. Porém, o cérebro aprendeu que não deve ceder a essa autorregulação (confundida com algo chamado genericamente de preguiça) e que é positivo seguir o que foi planejado, impondo sua força de vontade, como aprendeu nos conteúdos motivacionais, mesmo que isso seja péssimo para a saúde.

O seu corpo tem um poder de auto regulação espantoso, ele sempre pede o que lhe falta e avisa os seus limites. Ele possui uma sabedoria muito mais sofisticada, que opera transformações incríveis, a cada segundo, mesmo que você não perceba.

O que acontece quando, ao invés de obedecer ao seu corpo, você começa a ser escravizado por uma mente obsessiva que só obedece ao mercado de consumo e as modas de dieta e treinamento?

 

Nos repetimos quando o corpo não opera plenamente a sua pequena dança.

Olhe para o seu corpo agora, e, sentado, procure não fazer nenhum movimento, fique o mais quieto possível.

A sensação parece ser que o seu corpo está absolutamente imóvel, sem movimento. No entanto, dentro do corpo, o seu organismo está em plena ebulição, realizando múltiplas tarefas celulares de grande complexidade, a cada segundo.

O seu corpo só pode estar vivo, caso ele possa orquestrar essa pequena dança, em sintonia com o resto do universo, que está sempre em constante movimento.

Dessa forma, ter saúde corporal significa desenvolver e alinhar a sua consciência para perceber esses pequenos movimentos e desejos internos, te orientando em direção a ajustes finos que se fazem necessários, e isso muda a cada instante.

Dito isso, o que acontece quando seguimos regras rígidas que se repetem incessantemente e estão cristalizadas em conceitos externos?

Perdemos a conexão com a nossa própria sabedoria interna, ajustes necessários que poderiam desenvolver a nossa consciência corporal e, ao contrário, tal percepção passa a ficar esquecida, atrofiada e anestesiada.

Anualmente, o nosso corpo renova todas as suas células, dessa forma, a cada ano somos um novo ser. No entanto, assim como um notebook velho, que é substituído por um novo, caso não altere e renove o HD interno, a máquina-organismo irá repetir os mesmos comportamentos e condicionamentos para os quais já foi programada. Hoje, sabemos que isso também ocorre com dores crônicas e outros processos, pois uma vez que elas se estendam por muito tempo e sejam aprendidas pelo corpo, tendem a se repetir automaticamente.

 

Por que o corpo tende a repetir um comportamento?

O desejo de repetição carrega a ilusão de voltar sempre a um porto que é seguro, fortalecendo o desejo de controle e previsibilidade sobre o mundo ao nosso redor. Buscamos um mapa esquemático que nos ensine o que devemos fazer e para aonde devemos ir. Não é à toa que os maiores best-sellers do mercado editorial cumprem esse papel e seduzem tanto o grande público consumidor, nos anestesiando no limbo da terceirização dos nossos problemas físicos e existenciais.

Assistindo à um documentário chamado: “Como mudar a sua mente”, em certo momento, um renomado pesquisador, especialista em neurociência, afirma que as doenças psíquicas são alavancadas por um desejo obsessivo de controlar as situações externas. Ou seja, de forma paradoxal, quanto mais desejamos controlar os fatores externos, caindo em mecanismos de repetição e na ilusão da busca da estabilidade, mais perdemos o controle sobre a nossa própria vida.

A sorte é que os mecanismos orgânicos de auto regulação continuarão ocorrendo de forma automática, sem a nossa interferência mental ou qualquer controle racional desse processo. Ou seja, você carrega a ilusão do controle, mas quem está no controle de fato é o seu organismo, mesmo que você não perceba.

A palavra espírito, do grego, quer dizer vento. Dessa forma, espiritualidade pode ser entendida como a capacidade de se ajustar às situações (ventos) e seguir no fluxo da vida. Significa também desenvolver a capacidade de escutar o espírito-vento e escolher a melhor rota, evitando seguir contra a correnteza (a inteligência corporal).

Um antigo provérbio nos diz: não dá para você controlar a direção do vento, mas você pode sempre ajustar as velas do barco.

Seguir no fluxo nos ensina que ao invés de desenvolver a rigidez e querer controlar tudo, podemos ter a sabedoria de confiar nas escolhas do universo e se deixar levar.

 

Achar que a mente deve se impor sobre o corpo pode ser uma cilada

Uma hora o seu corpo irá se cansar de ser escravizado por uma mente autoritária, devidamente adestrada e idealizada, e pode, por fim, pedir as contas. Nesse sentido, o que entendemos como doença pode ser desencadeada por um mecanismo no qual o corpo, cansado de ser subjugado pela mente, resolve dar um basta e tentar a sua última cartada para reverter, de forma urgente, esse processo, clamando por mudança e descanso.

O processo de adoecimento pode ser entendido como um limite estabelecido por seu corpo contra esses abusos. Então, ele vai te enviar um recado ainda mais contundente: ou você muda ou a coisa pode complicar. É praticamente um grito de liberdade dizendo: chega!

Lembre-se, a fórmula do sucesso é uma invenção mercadológica, a cenoura na frente do cavalo, te ensinando a fazer todo tipo de exagero e sacrifício em prol desse éden idealizado.

Não se engane, o que te vendem como o auge da felicidade e do sucesso pode ser apenas uma ilusão. Segundo pude observar, muitas vezes, o empresário de sucesso ou o atleta de sucesso, tão celebrados em nossa sociedade, são pessoas extremamente obsessivas, sedentas por reconhecimento e autoafirmação.

Resumindo: Não obedeça a regras externas fantasiosas e irreais, obedeça ao seu próprio corpo, só ele pode saber como manter a sua saúde. E isso é sempre uma escolha individualizada, em constante conflito e desacordo com as modas massificadas, em escala, programadas para serem um sucesso comercial.