Blog

18 maio

A Indústria do Corpo

“O nosso negócio é fazer as mulheres infelizes com o que têm”, esta frase foi dita em 1953, pelo então presidente de uma grande rede de cosméticos nos Estados unidos.

Hoje, a indústria da beleza movimenta 200 bilhões de dólares anualmente, e essa confissão soa mais verdadeira do que nunca, onipresente em todos os meios de comunicação através de um marketing cada vez mais sofisticado e sedutor.

Vamos refletir aqui sobre os aspectos maquiavélicos dessa estratégia. Sim, o marketing tornou-se a arte de vender a felicidade em diversos formatos e opções. É sempre a próxima novidade que vai te fazer mais feliz e dar resultado. E, assim, preso nesse labirinto do consumo, você acaba cedendo à sedução do “fast consumo” e seus produtos, sofisticadamente sedutores e ineficientes. Por que ineficientes? Porquê da forma como são concebidos, duram pouco tempo, são descartáveis e não são efetivos. A isso se dá o nome de obsolescência programada (pesquise no google), uma estratégia intencional da indústria do consumo. As dietas da moda, por exemplo, falham em 95% dos casos. Isso mesmo! Já é um consenso entre os maiores estudiosos da nutrição que as dietas restritivas funcionam apenas no curto prazo, levando a uma reação do corpo na qual o usuário retorna ao peso inicial após um ano, ou, em muitos casos, aumenta o seu peso corporal.

Siga comigo o raciocínio: se algum modelo de dieta realmente entregasse os milagres que promete, isso representaria uma enorme quantidade de clientes a menos no mercado. Sendo assim, tal estratégia, a longo prazo, representaria uma escassez cada vez maior de potenciais compradores. Acontece que o mercado das dietas — um dos mais lucrativos do mundo, faturando 60 bilhões de dólares anualmente — talvez, não esteja interessado na escassez de clientes, você não acha? Seguindo esta lógica, seria comercialmente inviável investir em métodos eficientes e de qualidade? Não, a obesidade é uma epidemia, uma questão complexa que aumenta a cada dia e só se resolve através de uma abordagem sistêmica e multidisciplinar. Bons métodos seriam muito bem-vindos nesse cenário, ainda temos um longo caminho a percorrer até a escassez de clientes.

O poder sempre está na mão do consumidor. Quando a população entender que os métodos instantâneos não funcionam, o mercado terá que oferecer mais qualidade em seus produtos e redirecionar a sua estratégia de marketing.

Os treinamentos da moda também seguem este mesmo princípio, eles são escolhidos a dedo pelo mercado, quanto mais apelativos e sedutores, mais irão vender. As dietas e treinamentos da moda sempre são acompanhados de “respaldo científico”. Ora, respaldo científico é a coisa mais necessária e acessível ao mercado de consumo, basta financiar pesquisas ou direcionar as que já existem para provar o que você deseja. Respaldo científico não evitou que tais modismos prejudicassem milhões de pessoas em todo o mundo. Respaldo cientifico é apenas mais um componente dessa estratégia, o mercado seleciona todas as pesquisas favoráveis ao seu ponto de vista e ignora todas as outras que possam expor os seus pontos fracos. Ou você acha que um produto vai fazer uma propaganda expondo os seus efeitos colaterais?

Métodos de treinamento radicais e apelativos funcionam? Claro, podem funcionar, mas o que ninguém lhe conta são os efeitos negativos desse modelo de treinamento a longo prazo, igualmente extremos e radicais. O fast-training, a exemplo da fast-food, é igualmente nocivo à sua saúde e integridade corporal.

A indústria do corpo se divide em diversos segmentos, como a indústria do emagrecimento, das clinicas de estética, dos suplementos, das técnicas cirúrgicas milagrosas, além da indústria farmacêutica e a própria indústria do fitness, que representam, juntas, um grande problema de saúde pública atualmente. Para entender esta questão, leia a matéria aqui no blog: “Conto de fadas para adultos”.

Para fechar o cenário é essencial induzir as pessoas a se sentirem gordas, feias e inadequadas. A fórmula é simples, quanto menos gostamos do nosso corpo, mais propensos estamos a ceder à sedução do mercado de consumo. Aqui entram os modelos de beleza e as imagens subliminares, em todos os veículos de mídia, exibindo corpos cada vez mais perfeitos e inatingíveis, corpos de photoshop, corpos de mentira. Com este modelo, interiorizado e assimilado por nossa mente, somos uma presa fácil. Por mais lindo e perfeito que o seu corpo esteja, nunca será o suficiente. Bingo, mais um potencial cliente para consumir as centenas de novidades que surgem anualmente. O sarrafo não para de subir, o corpo da moda é um corpo cada vez mais magro e musculoso, e essa obsessão não tem fim.

A boa notícia é que existe uma forma simples para reconhecer e evitar o fast consumo, basta ficar atento à arapuca armada a sua frente. Esta armadilha tem uma temática recorrente: seduzir com resultados rápidos e milagrosos. O apelo costuma ser irresistível a uma mente carente e formatada para o consumo rápido.

Tente imaginar a seguinte situação: uma mulher está sentada no sofá, zapeando de um canal ao outro na TV. Ela está obesa, sedentária há mais de uma década, quando dá de cara com um canal anunciando “finalmente” uma solução rápida e eficiente para emagrecer. Este medicamento é “incrível”, eles garantem. E ela fica hipnotizada e tremendamente seduzida pelos argumentos, alguns deles apoiados em pesquisas e muito bem estruturados. Afinal, o marketing é a arte da sedução. Mexe com nossos desejos mais profundos e incontroláveis, e os manipula. Marketing é hipnotismo, você já se deu conta disso? As repetições, os truques e mensagens subliminares são irresistíveis.

Quais as chances dela ficar apaixonada por essa proposta? Poxa!  É até covardia, não é? É como mostrar uma linguiça a um cachorro faminto. Pois é, quando o dinheiro entra por um lado, a ética sai correndo pelo outro.

Pois bem, aqui vai o choque de realidade, 3 regras básicas para um treinamento consciente e uma perda de peso definitiva:

  1. Quanto mais pensamos a médio e longo prazo, mais eficiente será a perda de peso ou o sucesso no treinamento.
  2. Mudanças de habito lentas e graduais são equivalentes a resultados mais duradouros e permanentes.
  3. A moderação e o prazer são os princípios fundamentais de um treinamento sustentável e eficiente.

Sim, ao contrário do que dizem por aí, a moderação é o princípio fundamental de um treinamento saudável. Qual o sentido da palavra moderação no dicionário? Lá está escrito: na medida exata, sem exagero.

Me desculpe, mas dizer que a medida exata não funciona é um absurdo.

Isso é resultado de mais de 3 décadas de domínio dos métodos instantâneos, nos quais o exagero é o correto e todo o resto fica sem validade. Some-se a isso, uma cultura militar de mais de 3 mil anos, ligada a dor e ao sofrimento que domina o inconsciente coletivo.

A moderação proporciona ao aluno uma evolução orgânica, segura e sustentável. Não existe nada na natureza que siga uma lógica de curto prazo.

Toda mudança brusca e artificial pode ser nociva.

Por exemplo, o cérebro entende que uma perda de peso rápida é uma ameaça à nossa saúde. Dessa forma, nosso corpo entra em um processo de economia, como se estivesse em “stand by”, utilizando os músculos como fonte de energia, estocando gordura desesperadamente e diminuindo nosso metabolismo.

Os efeitos de uma dieta restritiva são brutais, uma pesquisa feita com participantes de competições televisivas de perda de peso nos Estados Unidos durante 6 anos mostrou que, alguns anos depois de uma perda de peso acelerada, os participantes continuavam com o metabolismo ainda mais baixo do que nos meses seguintes ao fim da dieta. Eles voltaram a ganhar peso, lenta e continuamente, como se o corpo estivesse fazendo um esforço intensivo para voltar a seu peso original, estocando qualquer forma de caloria que estiver a disposição e aumentando o apetite de forma descomunal.

Outro detalhe, o cérebro precisa se reprogramar e se adaptar a um novo peso corporal. Perder peso rapidamente inviabiliza essa reprogramação. O seu cérebro irá buscar, a todo custo, retomar a imagem corporal a qual estava adaptado. Isso se traduzirá em boicote e autossabotagem.

Viver eternamente sob restrição alimentar e sentir culpa por comer é um péssimo hábito. Você não gostaria de nunca mais ter que se preocupar com isso?

Poder comer de tudo, inclusive pães, massas, sorvetes e, mesmo assim, não engordar?

Será que, a exemplo do que ocorre com os remédios, a maioria das pessoas não estão atacando apenas os sintomas e não a verdadeira causa do excesso de peso?

Vamos refletir. Você passou os últimos dez anos sedentário, desenvolvendo gradativamente hábitos negativos em relação à alimentação, ao sono, entre outros, e agora quer resolver tudo em apenas dois ou três meses, de forma artificial. Você até pode conseguir, mas aos poucos tudo volta a ser como era antes. Essa solução de curto prazo, simplesmente, não é uma realidade.

Porém, a boa notícia é que, depois de passar pelo processo de mudança de hábitos, você não precisará mais fazer dietas restritivas.

Para muitos, isso funciona de forma permanente. Hábitos equilibrados e saudáveis adquiridos de forma gradativa conservam-se por um longo período, sem esforço.

*Alguns trechos dessa matéria foram extraídos do meu livro “O músculo da alma – a chave para a sabedoria corporal”. Fruto de uma pesquisa de 12 anos, este livro é múltiplo, um diário de anotações que concebe o corpo, a mente e a alma como um sistema integrado e interdependente. Isso resulta em 69 capítulos curtos sobre temas diversos e improváveis. Ele desnuda a indústria do corpo, ao mesmo tempo que desmistifica e desconstrói os principais condicionamentos e ideais que são plantados em nossa mente pela sociedade de consumo. O ideal da felicidade, do sucesso, do campeão, da saúde, da autoestima, da espiritualidade e muitos outros.