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17 maio

Eureka!

De maneira alguma, podemos colocar todos os treinadores no mesmo saco.

Claro que existe uma enorme diferença entre cada profissional, e é assim que funciona em todas as profissões.

Alguns treinadores – os mais estudiosos, conscientes e experientes – aplicam um treinamento mais cuidadoso que leva em conta uma graduação e intensidade mais sensata, de acordo com uma análise mais adequada do perfil de cada aluno. No entanto, todo treinador poderia se beneficiar dessa visão do treinamento integral e consciente, com foco na saúde, desenvolvido em nosso método.

Essa proposta é um grande salto em direção à consciência, à moderação e à saúde no treinamento.

Durante muito tempo fiquei intrigado – era inexplicável constatar que quase ninguém no universo do treinamento compartilhava da mesma visão que nós. Desenvolvemos uma forma bastante particular de entender o corpo e o treinamento, como você viu no item “Ilha deserta” da Apresentação.

Nos últimos anos, conversando com alguns dos maiores especialistas do corpo e do treinamento (doutores em educação física, fisiologistas, cardiologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, nutricionistas entre outros), pude constatar que eles também, obviamente, defendem um treinamento com moderação e um foco maior na prevenção e na saúde. Bom, a partir daí a minha dúvida só aumentou. Se os especialistas defendem isso, porque é tão raro encontrar treinadores que adotem, efetivamente, esse modelo em seu dia a dia?

Quando pensamos em um treinamento que seja saudável, é impossível sustentar de uma forma científica consistente o modelo do treinamento com sofrimento.

Isso só é possível quando descartamos alguns aspectos relevantes, como a saúde do nosso aparelho locomotor ou do nosso sistema imunológico e orgânico, como um todo. Através de uma visão mais profunda e integral do corpo, esse modelo passa a não fazer mais sentido. A falta de uma visão integrada, seria, então, um dos motivos da alta adesão ao modelo vigente. Porém, a resposta a esse mistério ainda não estava clara.

Um belo dia, entrevistando um amigo, um treinador bastante estudioso e consciente, a solução para o enigma apareceu. Eureka! Pude gritar aliviado. Demorou, mas o que estava velado se revelou logo após suas observações:

“Nuno, eu até tento, ao máximo, recomendar um treinamento mais moderado e cuidadoso. Mas a batalha é inglória. Fica difícil argumentar e convencer a maioria dos alunos de que um treinamento mais leve irá trazer melhores resultados no médio e longo prazo. Isso é quase impossível, é como nadar contra a correnteza.

A cultura do treinamento é o oposto disso. Por exemplo, se eu disser a um aluno que quer correr e está acima do peso, que caminhar seria mais produtivo e eficiente, ele vai embora. Simples assim. Então, a gente vai se adaptando, vai abrindo exceções e, de certa forma, vai se moldando ao mercado. Para os alunos que confiam mais em mim e estão comigo há muito tempo, eu até passo um treinamento com mais moderação. Só não posso contar isso para eles, né? (risos)”

Fiquei absolutamente chocado com essa revelação. Quer dizer que o mercado e a cultura, de certa forma, corrompem e fazem o treinador “desaprender” e descartar coisas básicas e essenciais que ele estudou na faculdade? Isso é muito maluco!

De uma forma velada, alguns treinadores já seguem o modelo do treinamento com moderação, mas não podem assumir isso publicamente. Senão, vai pegar mal com o aluno e com o mercado. Ou seja, a coisa é um pouco mais complicada: a dificuldade é fazer que esses treinadores saiam do armário e assumam a sua moderação.

A partir dessa constatação, vemos que o bullying do treinamento hipermasculino funciona. Ser chamado de “franguinho” ou de “moça delicada” não é uma opção.

A solução para evitar isso: moldar-se à cultura do fitness. Resumindo: o que sustenta essa cultura não é a ciência, e sim, o medo infantil que os homens têm de não parecer suficientemente masculinos perante seus pares.

O modelo de treinamento atual, ligado a vertentes como o treinamento militar, o bodybuilding e o treinamento de alta intensidade, defende uma forma de treinamento que batizei como hipermasculino ou “treinamento para macho”.

Adotei esse nome para denominar um tipo de treinamento que, de uma forma infantil, muitos homens acabam adotando para se exibirem e competirem com seus amigos. Vemos isso a todo momento nas academias, onde um aluno fica querendo provar ao outro que consegue treinar mais pesado, eles ficam comparando constantemente o tamanho dos seus músculos no espelho, ou, ainda, ficam com vergonha de treinar mais leve diante dos seus amigos.

Para colocar mais pressão e criar uma competição, quem treina com mais consciência e cuidado é chamado de “franguinho”. A frase a seguir, que escutei outro dia, no parque, dita por um treinador, é bastante sintomática dentro desse universo do fitness. Ele gritava com seus alunos no mais alto volume: “Pessoal, vamos colocar mais virilidade neste treinamento, por favor! Aqui é treinamento para homem, não é para ‘mocinha’!”

*Este é um capítulo do livro “O músculo da alma”. Fruto de uma pesquisa de 12 anos, este livro é múltiplo, um diário de anotações que concebe o corpo, a mente e a alma como um sistema integrado e interdependente, Ele desnuda a “indústria do corpo”, ao mesmo tempo que desmistifica os principais condicionamentos e ideais que são plantados em nossa mente pela sociedade de consumo. O ideal da felicidade, do sucesso, do campeão, da saúde, da autoestima, da espiritualidade e muitos outros.