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17 maio

A Tal da Felicidade

Desculpe lhe dizer, mas a busca pela felicidade é uma invenção moderna sem sentido. Ela pode ser útil para o marketing do consumo, para vender refrigerante ou para fomentar o mercado editorial de autoajuda, mas tem pouca aplicação no mundo real.
O grande equívoco está no simples fato de que a felicidade em si não é a chave da questão. Ela é apenas um derivado, uma consequência natural de alguns pilares essenciais de uma existência plena e com sentido.

Quais são esses pilares? Podemos citar o equilíbrio pessoal, realização, autoconhecimento, espiritualidade, amizade, amor, altruísmo e simplicidade. Estes deveriam ser o grande foco de quem almeja uma felicidade realmente duradoura, mais sentido e plenitude em sua existência.

Caso você invista nestes tópicos primordiais, a busca pela felicidade vai lhe parecer a coisa mais insignificante que existe, pois você já terá o mais importante, aquilo que precede a felicidade. Você terá sabedoria. Estes pilares essenciais geram uma quantidade enorme de subprodutos, como gratidão, satisfação, presença, desapego, compaixão, empatia, tolerância fluidez, gentileza, resiliência, não-reatividade e muitos outros

A “fórmula da felicidade” continua a mesma há mais de cinco mil anos, e só está disponível àqueles que realmente se puseram a trilhar este caminho, dia a dia em suas vidas, por anos e anos, através de uma experiência prática e não apenas teórica.

O mundo está desequilibrado, doente, triste e deprimido porque a verdadeira “busca da felicidade” não dá ibope. É totalmente ignorada e desestimulada pelo sistema em que vivemos, que ocupa todo o nosso foco, nossa atenção e o nosso tempo produtivo exatamente na direção oposta: no culto à personalidade (aos famosos), à superficialidade, ao consumo e ao narcisismo. No culto ao ego, à vaidade, ao vencedor. No culto à competição e ao individualismo. Pensando que a imensa maioria da população segue, diariamente, na contramão do que seria uma vida realmente plena e com sentido, não me parece nada estranho que o mundo sofra uma crise aguda de ansiedade, infelicidade e depressão.

Trata-se apenas de uma lei natural: nós colhemos aquilo que plantamos, ou seja, a nossa vida é consequência direta da forma como vivemos.
O autoconhecimento e a busca pela felicidade não devem ser um processo artificial, não devem seguir nenhuma metodologia e esquematização racional externa a nós mesmos. Este processo não pode ser formatado, massificado e padronizado.

Desculpem-me, mas a fórmula da felicidade não pode ser resumida em 12 passos, como gostam os norte-americanos ou a mais nova ciência da felicidade. Acho ótimo que o tema felicidade seja uma febre entre os pesquisadores e que a psicologia social tenha chegado a conclusões importantes e essenciais que alicerçam este conhecimento. Mas transformar as conclusões deste estudo em um método de autoajuda não faz muito sentido. O grande equívoco está exatamente em pegar os subprodutos decorrentes da sabedoria e espiritualidade, como gratidão, conexão, sentido, compaixão e outros, e transforma-los em exercícios práticos, em uma meta final no caminho da felicidade ao alcance de todos.

Ora, o processo de despertar da consciência e da espiritualidade é um caminho individual, longo e genuíno. É este processo real da busca do autoconhecimento e espiritualidade que vai nos levar naturalmente a uma aproximação, sem esforço, com estes sentimentos, como altruísmo, compaixão, solidariedade, gratidão, presença e etc.., e não o contrário. É a diferença entre se fazer algo genuíno e autêntico com o coração, ou se fazer algo auto imposto e artificial através do racional, do sentido de tarefa e do esforço.

O conceito “mens sana in corpore sano” é um fator altamente determinante á nossa plenitude. Talvez isso explique porque os lixeiros, ao contrário do que se imagine, sejam profissionais com um alto grau de felicidade e gratificação. Talvez seja porque eles fazem uma atividade física dinâmica, que representa uma forma de meditação ativa, ou seja, com isto ganham uma mente serena, um boa noite de sono e uma avalanche de endorfina em sua corrente sanguínea, diariamente. Isso, por si só, já garante o bom humor e um sentimento genuíno de felicidade, sem mais explicações.

Abreviando o caminho, poderíamos concluir, a partir de uma pesquisa que mostrou que o mais alto grau de felicidade já medido cientificamente, foi medido em um monge budista, que a espiritualidade é totalmente determinante neste processo de acalmar a mente. A felicidade é antes de tudo, um estado de espírito.

A minha intenção com este texto é expor mais um ideal fixado em nossa mente pelo marketing oficial. O ideal da felicidade é apenas mais um engodo a que estamos expostos, causando ainda mais angustia e nublando a nossa capacidade de entender e ver a realidade.

Quando falamos de espiritualidade, as pessoas já imaginam a forma mais radical de transcendência, aquela em que seria necessário abdicar de todos os valores materiais, ir para a Índia ou ficar horas meditando, diariamente. Esta é uma visão idealizada da espiritualidade. Espiritualidade para mim é puramente presença, conexão e fluência. Passa por um aprofundamento na forma de pensar o mundo e de uma redefinição dos nossos valores. Isso ocorre quando libertamos a nossa mente desta forma condicionada de entender a vida.

Superar estes condicionamentos, por si só, já representa uma grande liberdade, produzindo um sentido permanente de gratificação, integridade, criatividade e conexão.

Proponho um sentido simples de felicidade ligado a aspectos fisiológicos bastante primordiais a qualquer ser vivo, o sono, a atividade física e a alimentação, a Santíssima Trindade do equilíbrio pessoal e da vitalidade.

Proponho que a pausa e o equilíbrio mental estejam inseridos em nosso dia a dia por meio de práticas divertidas e transcendentes: práticas corporais que levem à meditação ativa, a forma mais lúdica e acessível de meditação.

Nós somos fruto do nosso estilo de vida, daquilo que fazemos diariamente. Sendo assim, ao inserirmos em nossa vida os elementos essenciais ao nosso equilíbrio corporal, mental e emocional, resgatamos o nosso equilíbrio pessoal e, assim, podemos ser uma influência positiva à nossa comunidade e às pessoas que nos cercam. O mundo irá retribuir em dobro tudo o que você lhe enviar, sendo assim, preste atenção nas informações que você está enviando.

Podemos assumir a responsabilidade pela nossa vida, afinal, tudo em nossa vida acontece a partir de nós mesmos. O que ocorre externamente é apenas um reflexo do que somos internamente. A felicidade é uma caneta que você procura em todos os lugares, enquanto ela já está pendurada em sua própria orelha.
Esqueça qualquer fórmula da felicidade. A verdade é que você não precisa de muita coisa para ser feliz, ao contrário do que diz a indústria do consumo.
Cada um precisa descobrir como ser feliz a sua maneira. Existem pessoas que são felizes apenas através da compaixão, da doação, outras são felizes cantando, outras sendo atletas profissionais, outras vivendo com quase nada, outras são felizes trabalhando e realizando os seus sonhos. Efetivamente, não existe uma receita de bolo, porque ser feliz é apenas ser inteiro. É apenas redescobrir o seu propósito, identidade e integridade. Saber que você já é perfeito em toda a sua imperfeição.

“Ser feliz sem motivo é a mais autentica forma de felicidade” (Carlos Drummond de Andrade)

*Este é uma capitulo do livro “O músculo da alma, a chave para a sabedoria corporal”