Blog

Credit: John Lund Stone Getty Images
16 maio

Conto de Fadas Para Adultos

Vamos lá! Vamos analisar com cuidado os bastidores do marketing do treinamento.

Analisando anúncios veiculados pelas maiores marcas esportivas globais, pude constatar que a estratégia usada é muito parecida. Basicamente, o que vemos são modelos fotográficos com corpos extremamente musculosos e definidos realizando exercícios extremos e radicais.

O que se vende é uma glamorização do sofrimento e do radicalismo no treinamento. Ao final desse conto de fadas aparecem slogans estimulando o aluno a superar os seus limites e assim, conquistar o corpo ideal dos seus sonhos.

O corpo se transformou em um bem de consumo, o corpo ideal é como uma Ferrari, só é uma realidade para uma pequena elite. Para essa minoria o treinamento transforma-se em uma forma de sacerdócio, envolvendo métricas rígidas de dieta, combinada a rotinas de exercícios extremas e suplementações excessivas. Quando treinar torna-se um processo compulsivo e obsessivo, cria-se um paradoxo: quando mais o individuo busca se adequar aos modelos de beleza vigentes, mais inadequado ele se sente.

A insatisfação é uma das bases do consumo. O sarrafo não para de subir. O modelo de beleza vendido é um corpo cada vez mais inatingível, cada vez mais fora da realidade. Treinar se transformou em algo nocivo a saúde corporal, quanto mais radical for uma atividade, melhor. Neste contexto, um exercício passa a valer apenas pelo resultado estético que ele pode proporcionar, independente do mal que ele pode causar ao seu corpo a médio e longo prazo.

A estratégia do consumo é acenar e seduzir com o inatingível. Como, provavelmente, você nunca irá atingir esses ideais de perfeição, você continuará consumindo seus produtos, eternamente. Um bom exemplo são as dietas da moda, já esta provado que 95% das pessoas que se expõem a esses métodos radicais, falham na tentativa de perder peso.  O treinamento segue esse mesmo principio, quando analisamos a situação de mais de 90% da população, vemos uma realidade bem diversa daquela que é exposta nos comerciais e programas de maior audiência na TV. A glamorização de corpos “bombados” na TV é um estimulo ao uso de anabolizantes e a vigorexia, um transtorno psíquico que atingi milhões de alunos nas academias em todo o mundo. Só no EUA três milhões de pessoas consomem anabolizantes com finalidades estéticas. Caso este número seja multiplicado pela quantidade de usuários nos vinte países mais desenvolvidos, chegaremos a números assustadores.

Assim como na anorexia, onde o individuo nunca se reconhece magro o suficiente, na vigorexia ele nunca se reconhece forte e musculoso o suficiente. E dá-lhe “bomba”. Este perfil de aluno torna-se dependente de doses regulares de anabolizantes, caso contrario, o corpo murcha e dessa forma, ficará flácido e com excesso de gordura. Além de sobrecarregar os rins, coração e outros órgãos, o vigoréxico sofre vários problemas ósseos e articulares, encurtamento dos músculos e tendões, riscos de infarto, derrame, impotência, diminuição dos testículos e uma grande propensão a diversos tipos de câncer. Agora eu pergunto, isso é saúde?

Hoje vemos nas academias, rotineiramente, milhões de jovens entre 14 e 35 anos, levantando cargas pesadas, seguindo fórmulas radicais de treinamento, tomando anabolizantes e destruindo de forma precoce a própria coluna e articulações. Tudo isso para estar em conformidade com esse padrão de beleza vendido pela indústria do fitness.

Mesmo que métodos extremos sejam condenados pelos maiores estudiosos e especialistas do conhecimento corporal, a indústria do treinamento continua se fazendo de cega e surda. Afinal, o modelo do “sem dor, sem ganho” lhes parece mais comercial e vendável. Será que esta é realmente uma escolha assertiva?

Nos últimos anos, o mercado do fitness passou a se valer de certos argumentos para valorizar seus produtos. Estas “tendências” (assim como o mercado da moda) são absorvidas pelas academias e pelos treinadores e rapidamente se tornam uma nova exigência. Como ninguém quer parecer “desatualizado”, a maioria dos professores tende a “surfar” na onda dos treinamentos da moda. Em todas as matérias que eu vejo existem dois focos do marketing que são vendidos como uma vantagem, mas que para um especialista são na realidade uma desvantagem do treinamento, principalmente, caso a preocupação seja, efetivamente, a saúde do aluno. Estes argumentos estão sempre em destaque: “emagrecimento e ganho muscular no menor tempo possível”. Para um treinador consciente isso não é uma vantagem, mas sim, uma insanidade, fábrica de lesões.

Pesquisando a fundo este assunto, descobri qual realmente seria o motivo desta forma de marketing da indústria do fitness.

A resposta estava no relatório anual das estatísticas do IHRSA, a organização que reúne as academias de todo o mundo. Um item especifico é bastante esclarecedor. Qual é a principal queixa reportada pelos alunos nesta abrangente pesquisa? Falta de resultados rápidos.

Bingo! Aí está a explicação para toda a estratégia de marketing do mercado.  Ou seja, baseada no resultado das pesquisas, o marketing se desdobra para pensar em estratégias que atendam essa demanda. Agora, quando eu digo que os métodos de treinamento, atualmente tem uma enorme contribuição do diretor de marketing, ninguém acredita. O que é vendido ao publico como a forma mais moderna e eficiente de treinamento, na realidade, se revela extremamente ineficiente.

O que a indústria do fitness não entendeu é que ela está correndo atrás do próprio rabo. Como funciona isso? Como o departamento de marketing entende que atender bem o cliente é dar o que ele pede, investe-se em fórmulas radicais de treinamento que acelerem ainda mais os resultados. Esta é uma forma bastante equivocada de se abordar esta questão.

Deixar o treinamento ainda mais radical vai provocar o efeito oposto ao desejado, já que se ele provoca dor e afugenta o aluno, esse processo tende a piorar ainda mais ao adotar essa nova medida. Como o aluno não tem consciência deste processo, estas informações não aparecem nas estatísticas.

A segunda questão, e a mais importante, é que um bom consultor não deve dar o que o cliente pede, mas sim, o que é melhor para ele. A indústria do fitness martela na cabeça das pessoas há muitas décadas, conceitos que estimulam a busca de resultados rápidos. Agora ela está provando do seu próprio veneno. As pessoas estão doutrinadas no conceito de treinamento estético e instantâneo. A questão é que, tudo o que ela estimulou e seduziu, através do seu marketing, não existe, na realidade, não é possível entregar. O que isso produz? Frustração e desistência.

No entanto, o que essa indústria faz? Continua investindo na mesma estratégia. Isso é inteligente?

Vou dar de graça, uma receita que aumentaria o faturamento das academias em poucos anos.  Em primeiro lugar é necessário reduzir as formas radicais de treinamento, que afugentam a imensa maioria dos alunos, lesionam e não trazem bons resultados a médio e longo prazo. Em segundo, deveriam alterar completamente a sua estratégia de marketing, trazendo consciência e explicando ao aluno que estas fórmulas milagrosas de treinamento são prejudiciais a saúde.

Pronto, problema resolvido! Voltemos à programação normal. Quando os alunos entenderem que não existem milagres e resultados rápidos, esta reclamação vai simplesmente sumir das estatísticas.

 

(Obs: uma parte deste texto foi extraída do meu livro: “O músculo da alma, a chave para a sabedoria corporal)

Credito da Imagem: John Lund Stone Getty Images