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19 jun

Manifesto em defesa do corpo

Como o seu corpo foi sequestrado e escravizado pelo universo do consumo?

Você já pensou que, de certa forma, o seu corpo não lhe pertence?

Ele pertence aos especialistas que o reformam ou lhe dizem o que fazer com ele. Você aceita exercícios padronizados, de forma obediente, sem questionar se lhe caem bem, se lhe servem, no seu caso específico. Exercícios estes, que você faz por obrigação, sem nenhuma consciência do que está fazendo. E, na maioria das vezes, mesmo sem gostar ou sentir qualquer prazer em realiza-los.

O seu corpo pertence a cultura em que você está inserido, que dispõe dele ao sabor dos modismos e apelos midiáticos.

O seu corpo pede relaxamento, pede alongamento, pede aprofundamento, mas quem diz que você é capaz de perceber isso? Quando vai ficando mais velho, este descaso vai cobrando o seu preço. E você só percebe à medida que começa a envelhecer. E acha normal.

A partir deste ponto, o seu corpo vai estar cada vez mais desgastado, maltratado e doente.

O seu corpo é resultado de uma pressão cultural dominante, voltada para valores racionais e materiais que o submete e escraviza. Sendo assim, habitar o próprio corpo é o primeiro passo para a liberdade.

Segue um texto muito elucidativo e profundo sobre essa questão:

“É comum a ideia de que a preocupação com a aparência e a juventude, que chega a ser uma obsessão nos dias de hoje, esteja cada vez mais disseminada em todas as classes, profissões e faixas etárias. A mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade para um maior número de mulheres e homens.

Quanto mais se impõe o ideal de autonomia individual, mais aumenta a exigência de conformidade aos modelos estabelecidos. Se é bem verdade que o corpo se emancipou de muitas de suas antigas prisões sexuais, procriadoras ou indumentárias, atualmente encontra-se submetido a coerções estéticas mais imperativas e geradoras de ansiedade do que antigamente. A obsessão com a magreza, a multiplicação dos regimes e das atividades de modelagem do corpo, a disseminação da lipoaspiração, dos implantes de próteses de silicone nos seios, do Botox, entre muitos outros. Hoje testemunhamos o poder controlador e normalizador dos modelos de beleza, um desejo maior de conformidade estética que se choca com a individualidade e a exigência de singularização de cada pessoa.

O corpo virou ‘o mais belo objeto de consumo’ e a publicidade, que antes só chamava a atenção para um produto exaltando suas vantagens, hoje em dia serve, principalmente, para estimular o consumo como um estilo de vida.

O resultado disso é um consumidor, perpetuamente, intranquilo e insatisfeito com a sua aparência.

Com isso, saem ganhando, entre outros, os mercados das dietas, das cirurgias estéticas, dos suplementos e da “malhação”.

O corpo “virtual” apresentado pela mídia é um corpo de mentira, medido, calculado e artificialmente preparado antes de ser traduzido em imagens e de se tornar uma poderosa mensagem de “corpolatria”.

As imagens e normas atingem em cheio todos aqueles que as veem e, por meio de um diálogo incessante entre o que veem e o que são, os indivíduos insatisfeitos com sua aparência são cordialmente convidados a considerar seu corpo defeituoso.

Mesmo gozando de perfeita saúde, seu corpo não é perfeito e “deve ser corrigido” por numerosos rituais de autotransformação, sempre seguindo os conselhos das normas veiculadas pela mídia.”

(Texto compilado de diferentes capítulos do livro “Nu e Vestido – Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca”, organizado pela antropóloga Mirian Goldenberg).
Esse manifesto busca defender a saúde, a consciência e a sabedoria corporal.
Existem duas principais vertentes do treinamento. De um lado, alguns dos maiores fisiologistas, cardiologistas, estudiosos e acadêmicos, apoiados pela ciência do esporte, que defendem um treinamento com moderação. Do outro, a indústria do fitness, apoiada por alguns especialistas, que defendem um treinamento de alta intensidade focado em resultados estéticos no curto prazo.

No entanto, não podemos nos esquecer de que o corpo não é um bem de consumo e não segue a lógica do mercado de mais resultado no menor tempo possível.
O treinamento radical, de alto impacto, é irmão da dieta radical. Os resultados no curto prazo podem ser satisfatórios, no entanto, são desastrosos no médio e longo prazo, na imensa maioria dos casos.

Devido ao fenômeno das academias, grande parte do treinamento físico feito no mundo é o que podemos chamar de um treinamento estético, ou “treinamento cosmético”.
Pouco se fala sobre o impacto que o treinamento de alta intensidade representa ao nosso organismo. Ele pode ocasionar um stress severo causando um envenenamento do sangue devido ao aumento dos radicais livres e dos resíduos metabólicos do exercício. Além disso, de forma geral, esse tipo de atividade pode causar um envelhecimento precoce e diminuir a vida útil das nossas articulações e cartilagens.
Uma cartilagem que poderia durar 80 anos ou mais, pode ser consumida em apenas cinco ou dez anos em provas de corrida contra o relógio, levando a uma artrose definitiva. Aliás, você sabia que uma leve perda em um disco intervertebral em nossa coluna pode representar uma incapacidade de se exercitar para o resto da vida?

Como chegamos ao ponto em que estamos hoje?

O treinamento físico é o único lugar, no universo conhecido, a negar a lei da moderação. No dicionário, a palavra moderação tem como significados: na medida exata, sem exagero. É incrível que, em pleno século 21, eu tenha que vir a público resgatar uma das sabedorias mais antigas da humanidade. Quando um professor de educação física afirma que a medida exata não funciona, ele está dando um tiro no pé, está assumindo que abandonou ou se esqueceu de alguns princípios fundamentais do treinamento físico. Esse é o resultado de mais de três décadas de domínio da indústria do fitness, uma metodologia fundamentada no lobby do bodybuilding (culto ao fortalecimento muscular) e nos treinamentos da moda, em que o exagero é o correto e todo o resto fica sem validade. O que justifica esse totalitarismo e exagero? Acelerar os resultados? Que resultados são esses? Apenas estéticos? A que custo? Vale acelerar o envelhecimento corporal, destruir suas articulações e cartilagens, entre dezenas de outras contraindicações, para se atingir esse fim?

Quando o treinamento mira na estética, a tendência é distorcer os princípios fundamentais da saúde corporal.
Na verdade, não existe apenas uma maneira de treinar, existem várias maneiras para se atingir o mesmo resultado. Se pudéssemos reunir os 100 melhores treinadores do mundo, veríamos que cada um aplica uma fórmula diferente e, mesmo assim, chegam a resultados parecidos. Todos os métodos têm vantagens e desvantagens. Porém, quanto mais radical for um método, mais efeitos colaterais ele poderá provocar.

Precisamos respeitar a individualidade biológica de cada um. Algumas pessoas adoram ir à academia, outras odeiam e não se adaptam a esse modelo, por mais que insistam, e tudo bem, somos únicos e diferenciados. Entender isso é a chave para combater o sedentarismo e a obesidade. Dessa forma, as modas e a massificação prejudicam a individualização, a adesão e a adaptação ao treinamento físico.

Assim como os animais, quando vivemos uma experiência agradável e prazerosa queremos repetir está experiência. Porém, quando vivemos uma experiência desagradável e dolorosa, fazemos de tudo, mesmo que de maneira inconsciente, para fugir dessa experiência.

O melhor exercício não é aquele que queima mais calorias, mas aquele que você gosta de fazer. Esse sim, vai dar resultado. O salto mais essencial é desenvolver uma relação de prazer com a atividade corporal. Como isso seria possível com o enorme desconforto e sofrimento físico vivido no modelo atual?
Para ser efetiva a atividade física deve ser incorporada a uma rotina, esse é o grande segredo. Caso esta atividade seja prazerosa, lúdica e equilibrada, o desafio será muito mais acessível e convidativo para uma grande parcela da população.
O treinamento voltado para a estética faz sentido para um perfil muito específico: os apaixonados pelo fisiculturismo e pelo bodybuilding (o culto ao fortalecimento muscular). Este modelo tornou-se uma unanimidade e foi abraçado pelo mercado devido a seu apelo comercial, mas nem sempre foi assim.
Esse grupo era uma ínfima parcela da população, em um passado recente. Como essa minoria encontrou, no ambiente da academia, um meio cultural fértil de desenvolvimento, proliferou-se de uma forma assustadora e criou os modelos atuais de beleza.
A grande população, que não tem “nada a ver com isso”, é impelida e condicionada, através do marketing agressivo desta indústria do Bodybuilding, a seguir esse modelo de beleza artificial. Na década de 1990, o cinema de Hollywood assumiu um papel determinante na fixação desse modelo no inconsciente coletivo, por meio da glamourização de heróis com corpos extremamente “bombados”, em blockbusters protagonizados por grandes astros, como Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone. Esse “modelo” de corpo virou um bem de consumo a ser conquistado. Há, também, um marketing poderoso inserido de maneira subliminar nos realities shows, nas propagandas, nas novelas, nas revistas e nos programas de maior audiência da TV.
Hoje vemos nas academias, rotineiramente, milhões de jovens entre 14 e 35 anos, levantando cargas pesadas, seguindo fórmulas radicais de treinamento, tomando anabolizantes e destruindo de forma precoce a própria coluna e articulações. Tudo isso para estar em conformidade com esse padrão de beleza vendido pela indústria do fitness.

Como combater esse marketing poderoso, como resgatar uma atividade física ligada ao prazer, ao equilíbrio e a saúde corporal?

Os conceitos criados pelos Bodybuildings ou “marombeiros”, como são popularmente conhecidos, dominam o ambiente de treinamento. Eles já estavam lá quando a indústria do Fitness começou a florescer na década de 80. Para os marombeiros faz sentido sofrer e sentir dor no treinamento, se isso se traduzir em mais músculos, no menor tempo possível, essa é a confusão!

O fast-training, a exemplo da fast-food, é igualmente nocivo à sua saúde e integridade corporal.
Estrategicamente, o corpo foi transformado em um bem de consumo, uma “roupa” que usamos como forma de aumentar o poder de sedução e o status social.
A consequência mais comum ao adotar o modelo do “sem dor, sem ganho” é uma lesão ou a desistência da atividade física. O “fast-training” não é indicado para mais de 90% da população, somando os sedentários, obesos, idosos, alunos com sobrepeso, alunos sem regularidade e alunos sem adaptação a esse modelo radical.
Nos últimos anos, conversando com alguns dos maiores especialistas do conhecimento corporal (doutores em educação física, fisiologistas, cardiologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, nutricionistas entre outros), pude constatar que eles também, obviamente, defendem um treinamento com moderação e um foco maior na prevenção e na saúde. Bom, a partir daí a minha dúvida só aumentou. Se os especialistas defendem isso, porque é tão raro encontrar treinadores que adotem, efetivamente, esse modelo em seu dia a dia?

Quando pensamos em um treinamento que seja saudável, é impossível sustentar de uma forma científica consistente o modelo do “treinamento com sofrimento” (o “sem dor, sem ganho”).

Isso só é possível quando descartamos alguns aspectos relevantes, como a saúde do nosso aparelho locomotor ou do nosso sistema imunológico e orgânico, como um todo. Através de uma visão mais profunda e integral do corpo, esse modelo passa a não fazer mais sentido. A falta de uma visão integrada, seria, então, um dos motivos da alta adesão ao modelo vigente.

“A queda da resistência imunológica causada pelo treinamento de alto rendimento pode aumentar a suscetibilidade a diversos tipos de doenças – de pequenas gripes a problemas mais graves nos sistemas digestivos, nervoso e cardiovascular” (Abílio Diniz)

A lista completa do impacto causado pela “indústria do corpo” é enorme, podemos citar: as doenças ligadas ao uso de anabolizantes, a anorexia, a vigorexia, transtornos alimentares, arritmias cardíacas e outros danos irreversíveis ao coração, depressão, crises de pânico e ansiedade, mortes e acidentes cirúrgicos ligados as intervenções estéticas, perdas no aparelho locomotor, lesões na coluna, doenças renais, e desnutrição, entre diversos desequilíbrios. A própria obesidade e o sedentarismo são sustentados e alimentados por este sistema, além de uma lista infindável de danos à saúde que custam bilhões aos cofres públicos anualmente.
O corpo do qual falamos é de outra ordem: um corpo sagrado, natural, equilibrado e profundo. Um corpo intimamente ligado à mente, às emoções e ao espírito, e que se transforma no principal agente de liberdade e sabedoria.
O corpo é a forma mais simples e genial de se acalmar a mente, o “eu”, responsável por nossos desequilíbrios e angústias.
O Santo Graal da felicidade e do equilíbrio está onde você menos esperava: em seu próprio corpo.
Esse manifesto não busca condenar a indústria do Bodybuilding, a “indústria do corpo perfeito”, como chamo, mas sim, analisa-la e coloca-la em seu devido lugar: como um nicho de interesse de uma pequena minoria. Esse modelo não é inclusivo e sustentável para a imensa maioria da população.

“O principal conceito da “nova ginástica” é torná-la acessível a todos aqueles que necessitam praticar atividade física, incluindo homens, mulheres, crianças, gordos, magros, fortes, fracos, enfim, qualquer pessoa. A ginástica deve desenvolver flexibilidade, graça, agilidade e, principalmente, melhorar a saúde.”
(Diocletian Lewis, fisiologista, 1862)

Realmente, é incrível constatar o quanto a história se repete. Estudando os conceitos defendidos em 1862 pelo Dr. Diocletian Lewis, um médico e fisiologista norte-americano, vemos que está dicotomia entre o modelo de corpo militar e o conceito de corpo criativo e maleável, já estava presente há muito tempo no universo do treinamento. Acho que o mais sensato seria buscar que esses dois opostos possam conviver em mútua tolerância e aceitação, afinal, é apenas uma questão de identidade. Existe gosto para tudo.
Porém, para os estudiosos do treinamento, já em 1862, era claro que este modelo de corpo rígido e militar não seria um modelo de corpo ligado à saúde e à funcionalidade, que servisse para a maior parte da população.

Qual percentual da população tem um corpo lindo e perfeito, igual ao da capa da revista de Fitness?

Analisando com mais profundidade, vemos que esse percentual equivale a menos de 1% da população. Você acha justo que essa minoria submeta os outros 99%?
Chegou a hora de dar voz aos bilhões de excluídos em todo o mundo. Não podemos mais apoiar uma cultura de treinamento nociva a saúde corporal.
Consciência é liberdade!
Venha fazer parte desse movimento que está mudando a forma de entender o corpo e o treinamento.
Saiba mais sobre o Movimento treinamento consciente: www.treinamentoconsciente.com.br