O vício da escassez
Existe um paralelo muito forte entre a obsessão pelo acúmulo de músculos (vigorexia) e a obsessão pelo acúmulo de dinheiro (moneyrexia). Ambos representam formas de status social e empoderamento, que escravizam e aprisionam o sujeito ao seu objeto de poder e à autoafirmação.
Muitos milionários são pessoas que estão presas à sua fonte de poder e realização, abdicando de outros setores de suas vidas e vivendo uma relação de ambição sem fim com o acúmulo de bens. Essa ganância não se reflete em uma fonte de felicidade real, afinal, que diferença faz ter no armário dois ternos ou 20 ternos feitos no mais caro alfaiate? Que diferença faz ter dois ou dez carros fetiches? No entanto, não é só em relação ao dinheiro que as pessoas querem sempre mais. Essa insatisfação criada pelo consumo se reflete em todas as áreas. Denise Gomes, uma amiga que participa de maratonas, alertou-me para o fato de que o sarrafo não para de subir até mesmo nos desafios de corrida. Segundo ela, há três anos, as matérias nas capas das revistas de corrida falavam de casos de superação em maratonas. Agora, só falam de provas extremas, como a ultramaratona de 100 km e outros desafios ainda mais extremos. “A maratona já não basta, cada vez eles inventam algo mais radical”, diz ela.
Até onde vai a insanidade atlética ligada aos desafios radicais? O pior é que o universo da competição invadiu o treinamento. Para os atletas, faz sentido se desafiar constantemente; essa é a confusão. Como a mídia glamouriza o atleta e seduz você a seguir este exemplo, muitas pessoas passam a adotar essa fórmula ideal de treinamento. Porém, a essa altura, você já deve ter percebido que esse conto de fadas pode não acabar bem.
No universo corporativo, também podemos observar a mesma coisa. As exigências e as metas são cada vez mais extremas. O consumo realmente está consumindo o ser humano. Quando você é capturado pela armadilha do consumo, nada é suficiente. Você sempre vai se sentir incompleto. Pela lógica da competição, sempre vai ter alguém que faz ou poderá fazer mais ou melhor que você.
Seu status está constantemente ameaçado, o que representa um enorme gasto de energia e uma fonte permanente de stress e tensão. Nesse estado, não pode haver integridade, plenitude e, consequentemente, felicidade.
Meu irmão Renato conta uma história que denuncia esse sintoma. É sobre um aluno que se esforça agressivamente para atingir suas metas. No entanto, quando finalmente consegue alcançar seus objetivos, ele não esboça nenhuma satisfação, nenhuma felicidade. Indiferente, apenas diz com frieza: “Legal! Isso eu já consegui, agora qual o próximo desafio?”. Isso, para mim, representa um caso extremo do racionalismo pragmático e do consumo da própria experiência.
Muitos não se dão conta de que o vício do consumo é o vício da escassez. Não importa o que você possua, o foco sempre será aquilo que lhe falta.
Esse sentimento é o contrário da abundância. Vai contra todas as leis naturais,contra a sabedoria de dar e receber. A natureza é um grande exemplo da colaboração e interdependência como forma de gerar abundância e riqueza para todas as espécies e seus semelhantes.
O homem veio romper o equilíbrio natural. É egocêntrico, acumulativo e consumista, cria um sistema de isolamento do resto do mundo, em todos os aspectos. Basta perceber que o indivíduo consumista é obrigado a viver em um bunker, que se transforma, automaticamente, em uma prisão de alta segurança onde ele mesmo se fecha por vontade própria.
Usando apenas uma via de mão única, o viciado em consumo se entope de objetos que representam uma fonte de status social. O dinheiro adquirido por quem vende estes objetos de fetiche possibilita, igualmente, novas trocas em busca de outros objetos de desejo, egoicos e sempre individuais, e assim segue em cadeia. A maior parte da riqueza circula livremente, mas só entre uma ridícula porcentagem da população. Essa riqueza é individualista, visa o status, a ostentação. Ela não é distribuída e não pode gerar abundância e felicidade, nem ao próprio dono do dinheiro.
Como dizia Lao Tsé, uma das funções da vaidade não é nos tornar maiores e mais importantes, e sim, nos tornar menores, mais insignificantes e um tanto quanto ridículos.
“NÃO SEREI MAIS UM POBRE DIABO QUE SOFRE DE NOBREZAS.”
(Manoel de Barros)
A usura e a ganância são o medo da falta, da escassez, medo de perder o que se tem, apego aos bens materiais. Quando os nossos medos nos dominam, tornamo-nos reféns daquilo que procuramos fugir e evitar a todo custo. Passamos a viver em uma prisão mental alimentada e sustentada por nós mesmos. O milionário ganancioso torna-se um eterno refém da escassez, por mais paradoxal que isso possa parecer. Como o seu foco é aquilo que falta, ele constantemente se impõe novas metas e novos desafios. O esforço criado para manter o status, com o tempo, torna-se uma prisão.
A necessidade exagerada de reter para si, de acumular, e a incapacidade em
compartilhar, doar e dividir, podem se transformar em fonte de angústia, isolamento e vazio existencial.
*Este é um trecho do livro “O músculo da alma”.
“Esse livro é maravilhoso! Um grande aprendizado para a vida. Agradeço muito a leitura de um livro tão incrível, magico! Ele é um guia, profundo e abrangente, da saúde integral, passo a passo. Parece que o autor conversa com a gente de uma forma intima e carinhosa. Um livro de estudo, de cabeceira.
(Sofia Bauer, psiquiatra.)
Saiba mais: https://nunocobrajr.com.br/livro/