Pesquisas contraditórias. Afinal, em quem acreditar?
A divulgação de novas pesquisas faz parte da estratégia da grande mídia.
Conversando com uma jornalista, ela me esclareceu que é usual os jornais e noticiários utilizarem pesquisas recentes como um “tapa- buraco” ou “chamariz” na programação de assuntos do dia. Nesse formato, elas aparecem de forma descritiva, sem ganharem uma análise mais profunda. A escolha é feita levando-se em conta a novidade e o apelo do tema em questão. Quanto mais surpreendente e exótica for a pesquisa, melhor.
O leitor ou telespectador fica perdido em meio a um bombardeio de informações que apontam em diversas direções. Como interpretar corretamente todos esses dados?
Veja no caso da atividade física, por exemplo. Existem dezenas de estudos sérios dizendo que atividades de alta intensidade fazem bem a saúde. Do outro lado, existem outras dezenas de estudos, igualmente sérios, dizendo que treinamentos vigorosos e extenuantes fazem mal. Afinal, quem está certo?
A resposta é que ambos os estudos estão corretos. Essa é justamente a confusão. Qualquer estudo é apenas um recorte de uma realidade mais abrangente. Muitos não são excludentes, mas complementares. Como isso funciona?
O pesquisador elege um foco de estudo, escolhe as variáveis, faz seu recorte e vai atrás das informações necessárias para comprovar sua tese. Na realidade, quando alguém quer comprovar um ponto de vista, o esforço nesse sentido tende a ser assertivo.
É verdade que a atividade de alta intensidade melhora os indicativos de saúde e condicionamento físico. Assim como é também verdade que essa atividade implica em efeitos colaterais, como aumento dos radicais livres, envelhecimento precoce, riscos cardíacos, lesões ortopédicas, aumento de hormônios ligados ao estresse e um efeito depressor sobre o sistema imunológico, dentre outros, já bem relatados e comprovados em diversos estudos. Tudo depende da faixa etária, tipo físico e outras variáveis que a pessoa escolhe estudar nesse tipo de pesquisa.
Por exemplo, recentemente foi divulgada uma pesquisa britânica afirmando que os esportistas de fim de semana que realizam atividades intensas, como futebol e bicicleta, têm efeitos positivos em sua saúde, comparáveis àqueles que realizam atividades moderadas com mais regularidade. Qual a pegadinha aqui?
O grupo que fazia atividades moderadas mais vezes na semana teve os mesmos benefícios, porém com 30% mais eficiência. Mas a sedução dessa pesquisa parece ser afirmar que você pode gastar muito menos tempo e, mesmo assim, atingir resultados similares. Embora essa afirmação tenha um imenso apelo comercial, será que isso é mesmo uma realidade?
Obviamente, fazer alguma forma de atividade, mesmo que intensa, é melhor do que nada. O próprio estudo comprova essa tese. Porém, para um leigo, a impressão que fica é a de que fazer atividades de alta intensidade apenas nos fins de semana pode substituir uma atividade moderada e regular, mais ligada à saúde e à prevenção. Já está bem relatado que praticar esporadicamente atividades intensas como o futebol, por exemplo, implica em maior risco cardíaco e maior risco de lesões ortopédicas. Mas esse não era o recorte da pesquisa em questão.
O Dr. Nabil Ghorayeb, um dos maiores especialistas em cardiologia ligada aos esportes, relatou-me duas pesquisas conclusivas sobre o assunto. A primeira é um estudo publicado em 2016 no Journal of American Medical Association (JAMA), que revisou e cruzou os resultados de mais outras 14 pesquisas de grande credibilidade. Elas identificaram que o chamado exercício físico esporádico e intenso pode aumentar os riscos de problemas cardíacos em 2,7 vezes. Em outra pesquisa, realizada com seis milhões de alunos de academias nos EUA, durante dois anos, foram analisadas 66 mortes de alunos, sendo que desse total, 70% se exercitava somente uma vez por semana em grande intensidade, para recuperar os dias perdidos de academia.
No estudo britânico mencionado anteriormente não ficou demonstrada uma relação de causa e efeito, ele se baseou apenas nas informações de indivíduos que preencheram pesquisas de saúde na Grã-Bretanha, confiando na regularidade e duração relatadas informalmente pelos próprios participantes acerca dos exercícios realizados.
O que ficou sugerido então nessa pesquisa? Através de uma análise bem restrita, ficou “comprovado” que fazer atividades de alta intensidade pode ser positivo. Agora, o que ocorreria caso esse mesmo grupo fosse estudado daqui a 20 anos? Provavelmente, ficaria comprovado que esses efeitos não são tão positivos assim. Já veríamos senhores idosos sofrendo as consequências negativas dessas atividades na terceira idade. Enquanto no grupo que fazia atividades moderadas, esses benefícios teriam sido efetivos e duradouros.
Como você pode notar, interpretar uma pesquisa não é tão simples assim. Isso só pode ser feito por um especialista. Porém, existe um detalhe mais complexo ainda: cada especialista poderá ter uma interpretação diversa sobre o mesmo assunto. Eu, particularmente, por ter uma visão mais integral do treinamento, incluo nessa minha análise a visão da fisioterapia, das técnicas somáticas e de outras ciências.
Em muitas dessas pesquisas, não temos acesso à metodologia utilizada, nem a outros detalhes do estudo. Sendo assim, para um leigo, uma pesquisa mal conduzida pode passar a ser uma verdade definitiva, e aí está o principal risco.
O grande Karl Popper, considerado um dos maiores gênios da ciência, já dizia: “A coisa mais fácil que existe é maquiar e conduzir uma pesquisa para colher os resultados esperados.” Se você soubesse a quantidade de pesquisas mal elaboradas e financiadas que existe por aí, teria mais cuidado em acolhê-las como uma verdade absoluta.