Revolução no Treinamento
Praticar atividade física exige esforço e força de vontade, certo? Isto depende do tipo de atividade que você pratica.
Imagine uma forma de atividade física que faça você despertar motivado e excitado, mesmo às 6h da manhã. O seu coração palpitante anseia, incontrolavelmente, por reviver esta experiência tão gratificante e estimulante.
Na realidade, você está totalmente viciado nesta atividade, devido ao fato dela ser intensamente divertida. A dose de adrenalina produzida por tal experiência causa uma dependência física.
Quem já foi surfista se identifica com o relato acima. Eu mesmo já acordei as 6hs da manhã e fui surfar em dias extremamente frios no sul do país, em que o mar estava absolutamente congelante. A partir desta experiência, te faço a seguinte pergunta: esta atividade requer esforço ou força de vontade? Na realidade, mal podemos nos conter em relação a expectativa de surfar novamente.
Então, como a ciência explica a dificuldade de aderirmos à atividade física? Ela defende que os homens, assim como os animais, têm três estímulos básicos que o fazem se movimentar: a comida, o sexo e a fuga de predadores.
O nosso corpo busca economizar energia. Sendo assim, uma atividade física que não inclua os três estímulos citados anteriormente não seria algo natural ou instintivo aos seres humanos. Isso explicaria porque fugimos dos exercícios. Porém, refletindo com mais cuidado, onde a teoria falha?
Esqueceram-se de incluir o “brincar”. Mesmo os animais adultos, como os felinos, primatas, golfinhos e elefantes, gastam horas diárias em brincadeiras diversas, e nesta hora, a sua última preocupação é economizar energia.
O ser humano adulto também é carente de atividades lúdicas e prazerosas. Para a imensa maioria das pessoas, a única atividade divertida e relaxante disponível, está ligada ao consumo de bebidas alcóolicas e a vida noturna. Brincar é essencial ao ser humano, afinal brincar é celebrar a vida, é estar vivo da forma mais intensa e natural possível, é estar em flow, o que permite voltar a se reconectar consigo mesmo e com o todo.
Além disso, o brincar, a descoberta do prazer em explorar o corpo e suas possibilidades, traz um imenso ganho cognitivo. O que se traduz em mais concentração, inteligência, foco, controle emocional, jogo de cintura e assertividade, entre outros. O exercício, assim, é o conhecimento de si, uma exploração, como também um desenvolvimento da criatividade. O exercício passa a não ser mais um recurso ligado a um prêmio futuro. O brincar já é o objetivo e o prêmio em si. É assim que treinar pode vir a ser o momento mais divertido do dia.
Nos dias atuais, crianças e adolescentes passam em média de 8 a 12 horas por dia em atividades estáticas, sentados em salas de aula ou em atividades ligadas à televisão, celular ou computador. Se não criamos um tipo de atividade corporal intensamente divertida, equilibrada e interessante, que rivalize com o vício dos eletrônicos, o futuro da humanidade está em risco. O nosso futuro será feito de pessoas cada vez mais obesas e doentes.
Desenvolver alternativas de treinamento que sejam lúdicas e prazerosas, pode ser uma grande saída para este cenário alarmante, tanto para as crianças como para o adulto. Sempre que vivemos uma experiência agradável e prazerosa, queremos repeti-la. No entanto, sempre que vivenciamos algo desagradável e doloroso, tendemos a fugir desta experiência, mesmo que de forma inconsciente.
Colocar o corpo em movimento através de uma atividade prazerosa deixa de ser uma obrigação e passa a ser um momento de relaxamento e diversão. Como uma criança, que se entrega a uma brincadeira sem ter hora para acabar.
A Carol, minha esposa, viveu uma experiência interessante e reveladora neste sentido. Estávamos em um parque infantil com a nossa filha de 4 anos, e elas subiram em um daqueles brinquedos clássicos, o trepa-trepa.
Um menino que subiu logo em seguida perguntou surpreso:
-Porque você subiu aqui?
-Para brincar, ela disse
-Você brinca? Disse espantado o menino
-Claro que eu brinco, não é legal brincar?
– Eu adoro
Logo depois, o menino gritou bem alto para a sua irmã de sete anos que estava ao lado
– Olha Isa! Um adulto que brinca!
O meu sonho é que em um futuro, não muito distante, o seu treinador, em vez de lhe dizer “Vamos treinar?”, que é entendido como “Vamos sofrer?”, possa, sedutoramente, lhe propor: “Vamos brincar?”
“O mundo é um playground, nós sabemos disso quando somos criança, mas nos esquecemos disso quando nos tornamos adultos“
(Zooey Deschanel)
*Este é uma capitulo do livro “O músculo da alma, a chave para a sabedoria corporal”. Aos poucos, vou publicar aqui no blog os nove capítulos que melhor o representam. O livro contém 69 capítulos curtos e 49 conteúdos interativos que levam a textos, vídeos e artigos de outros convidados. Ele não precisa ser lido de forma linear, é feito de ensaios curtos sobre os mais diversos temas.